Levantei com o despertador esgoelando
nos meus ouvidos. Eram 10 horas e eu com reunião marcada por volta das 11. Estava
meio tonta ainda, pisando alto. Tomei um banho tipo lava a jato. Engoli o café
sem açúcar me perguntando como tinha encontrado o pó e o coador naquela bagunça
de cozinha. Caminhei até a sala para pegar a chave do carro que sempre fica em
cima da mesinha de canto. Quase queimei minha língua com o café tamanho o susto
ao me deparar com aquele cômodo. Percebi que não estava em casa. Tinha feito
café na cozinha de alguém e estava no apartamento de sabe lá de quem. Era o
fim! Nunca antes em toda minha média vida tinha acontecido um negócio daquele.
Mas como isso sucedeu? Não me lembrar de nada? Tudo muito estranho.
Andando mais um pouco na sala, que era
daquelas de capa de revista de arquitetura, bonita pra chuchu, senti um odor
estranho. Puta merda! Cheiro de enxofre! Quase morri sufocada. Coisa escalafobética.
Fiquei nervosa, mas tentei raciocinar. Bom, se eu não estava na minha casa,
precisava descobrir como fui parar naquele lugar. De repente, uma pontada na
cabeça. Que dor horrível! Levei a mão no alto da cabeça e percebi uma montanha.
Corri para olhar no espelho e vi aquela coisa imensa entre meus cabelos. Uma só
não. Duas coisas, ou melhor, galos. Era o fim!
Já estava no auge da minha
preocupação. Decidida a pegar o telefone e chamar a polícia. Dizer que sofri um
sequestro relâmpago e estava com muito medo de sair sozinha daquela casa. Sei
lá, alguma coisa que trouxesse um ar de responsabilidade àquela situação tão
pouco sem juízo. Mas o pior ainda estava por vir. Avistei no final do corredor
uma porta. Fechada! Sinal que alguém ainda dormia. Ai minha nossa senhora! Era
a hora da revelação. Caminhei sorrateiramente até a porta. Abri bem devagar
tentando fazer barulho quase zero. Pronto! Agora tinha ferrado tudo.
Todo aquele cheiro de enxofre tinha
fundamento. Era o capeta em pessoa que morava ali. A euforia de aproveitar tudo
num mesmo dia em função do fim do mundo tinha dado resultado rápido. Mal havia
acabado a festa e eu tinha parado no inferno! Junto do bicho feio, do cambito, pé-preto, maioral, demo, ai minha santinha
junto do excomungado. Olha lá! Aquilo era um chifre. Não aguentava olhar,
precisava de uma coberta para enfiar debaixo. Que vontade de chorar. Pra que
pecar tanto num dia só? E o mundo, aquela bosta, tinha ou não acabado? Resolvi
encarar o bicho. Parti pra cima dele com unhas e dentes. Vamos enfrentar os
medos. Tá no inferno abraça logo! E fui.
Quase
matei Dona Jandira! Era minha vizinha na cama. Ela tinha aproveitado a onda de
fim do mundo e foi brincar com o marido daquelas fantasias de sex
shopping. A maldita já é maltratada e ainda me coloca uma fantasia de capeta.
Maldição! A bicha tinha conseguido piorar a situação. Quase matei a mulher! Pedi
mil desculpas. Expliquei que tinha acabado de acordar e não estava entendendo
nada. Aí ela me disse que eu cheguei tão bêbada que entrei na porta errada, pois
ficava destrancada. Como eu já estava no quarto feito uma morta estatelada na
cama da filha da Dona Jandira, a pobre senhora resolveu me deixar dormir o
sonho dos anjos. Só se esqueceu de me avisar que acordaria com o capeta!
Tadinha da Dona Jandira. Eu a chamando de demo, enquanto salvou minha vida.
Logo naquele dia que o mundo ia acabar em barranco!
Suspirei
aliviada de tudo. Enfim não tinha feito tanta bobagem (ou não) quanto pensava. Tudo
mais esclarecido. Apenas um pilequinho para comemorar o fim do mundo. Fui
saindo devagarinho, com sorriso amarelo, pedindo licença para a mulher ainda
sonolenta. “Boa tarde pra senhora, Dona Jandira. Ah Feliz Natal adiantado!”
Era
melhor tratar de trabalhar. E bem. Porque outra notícia sobre fim do mundo só
acredito quando os astrônomos confirmarem de verdade. Esse negócio de acreditar
em astrologia em si pode até funcionar, comigo é que foi péssimo.
De-fi-ni-ti-va-men-te!