domingo, 22 de setembro de 2013



Retrato com cheiro

Era um dia sem muita coisa pra fazer. Marieta resolveu ir ao mercado e aproveitar para dar umas voltas no bairro. Ver as mesmas pessoas, porém com outra expressão. Afinal era domingo. Dia de sair com a família. Tomar sorvete. Brincar de soltar pipa com as crianças na praça. Andar de bicicleta. No caminho sentiu cheiro de churrasco. Isso a fez voltar no tempo. Remetia aos dias de festa, de cair na piscina. Ficou pensando na vida em família, quando era bem pequena. Suas preocupações com as tarefas domésticas começavam a desaparecer. Davam lugar a uma imensidão de recordações. Depois do churrasco vinha o calor do final de tarde, a preguiça, a vontade de dormir.

Era tão bom pensar nos finais de semana que rebobinava outras imagens na cabeça. Domingo também era motivo para os passeios na casa dos avós. Junto com o cheiro de frango assado ao alho vinham as lembranças da mesa cheia, dos risos, das brigas em família. Que prazer retornar àquele tempo! Dava certa leveza à vida. Um descanso em meio ao tumulto de trabalhos e obrigações. Ela tinha a impressão de que as imagens associadas a cada cheiro iam amenizando a pressão no pescoço. Os ombros contraídos agora ficavam menos doloridos.
Já estava escurecendo e Marieta precisa voltar pra sua casa. Concentrar no restante dos serviços e preparar para uma nova semana. Ao menos a tarde na praça tinha sido agradável. Cheia de gente, morta e viva. Juntas em suas recordações. Como era bom fazer aquilo de vez em quando. Olhar o álbum de retratos imaginários. Tinha cheiro, o mais interessante. Ainda não inventaram álbum com cheiros, ela pensou. Quem sabe essa ideia daria uma boa invenção? Sorriu com sua grande questão. Tomou o rumo de casa mais feliz do que quando saiu pra comprar umas coisinhas.

No caminho passou perto do quintal da vizinha Jurema. Estavam cozinhando feijão com folhas de louro. Poxa, era o cheiro da sua casa nas segundas-feiras, pensou. Feijão cozido produzia a lembrança do tempo em que as coisas tinham outro ritmo. Casa com gente, com café na mesa e depois almoço na hora certa. Quando criança achava tudo muito chato e cheio de disciplinas. Mas agora era importante lembrar-se daqueles detalhes. Principalmente porque trazia uma sensação de conforto, segurança. Sorriu novamente. O domingo acabava.