Parte 1
A missionária
Saiu de casa cedo. Como sempre, antes de ir, deixava o café
pronto para os filhos, o pão novinho e as xícaras de cada um sobre a mesa. Eram
três. Não tinha marido. Ficara viúva muito nova e decidiu não se casar mais.
Sentia falta de um companheiro, mas alegava que isso tomaria muito do seu
tempo.
- Tenho tanta coisa pra fazer. Não posso pensar em me
relacionar com alguém. Só vou dedicar aos meus filhos. Justificava-se para os
amigos que a importunavam sempre com a intenção de apresenta-la a mais um
pretendente.
A rotina de Elza era sempre a mesma. Café, acordar os filhos,
faxina na casa da Dona Mercês, vendinha do bairro, preparar a janta que daria
para o almoço do dia seguinte. Sair nem pensar. Conversar com as vizinhas muito
menos.
Por anos viveu assim. Sozinha, sem muitos amigos. Só mesmo a
Josefa e o Luiz que continuavam insistindo em visita-la. Mas se dependesse da
boa vontade dela, não veria mais ninguém.
Os filhos já estavam grandes e ela percebia que a cada dia
mais perdia o fio da comunicação com eles. A convivência se resumia em quase
meia dúzia de palavras por dia. Sentia um vazio tremendo. Uma falta de sentido em
sua vida. Tudo era uma mistura de desânimo com obrigações rotineiras. Tentava
se apegar às ocupações por conta dos filhos e do trabalho na casa da Dona
Mercês, que já estava bem velhinha e dependia dos seus cuidados.
Pois bem. Um dia os filhos anunciaram que iam moram em
Salvador com o pai. Tinham uma boa proposta de emprego e tudo estava
encaminhado por lá. O pai nunca dera pensão e seria uma grande oportunidade de
ajudar. Além de tentarem uma reaproximação. Elza quase morreu de tanto chorar. As visitas de Josefa e
Luiz passaram a ser quase que diárias. Não entendia a escolha dos filhos. Ainda
mais morar com o pai, que nunca fora lá grandes coisas. Ela que tanto dedicou a
vida por eles. Era injusto demais.
Para piorar a situação que não estava nem um pouco boa, Dona
Mercês morreu. Seu mundo definitivamente não tinha mais valor. Ela perdera tudo
de uma vez só. Tudo que fazia algum sentido ou alguma ocupação. Muito
complicado viver com o abandono e a morte. E agora o que seria sua vida? Quem
sabe seria bom se preocupar com outras coisas? Ver outras ocupações? Reinventar
a vida? Os amigos a questionavam. Mas Elza não respondia a qualquer estímulo.
Certo dia, já bem tarde, Elza passava pela pracinha de seu
bairro. Viu uma luzinha acessa e muitas pessoas cantando. Sentiu certo conforto
e resolveu aproximar. As pessoas fechavam os olhos e colocavam cuspes e orações
pra fora, embalados numa música de fundo. Era a música que ouvira de mais
longe. Ficou curiosa. Queria entender como funcionava aquele transe que seus
olhos viam. Como as pessoas podiam fazer aquilo? Quem estava por trás disso?
Elas vestiam o mesmo tipo de roupa. Uniformizadas e falando de um mesmo lugar.
De outro mundo que não era o seu. Parecia ser melhor, bem melhor. Decidiu
ficar. Ficou pra sempre.
- Bom dia meu irmãos. Eu sou a missionária Elza. Estou aqui
para dar o meu testemunho. Antes eu era uma pessoa perdida, que não via sentido
em nada. Hoje meu mundo tem cores de rosa, verde, amarelo. Antes tudo era escuridão e tristeza. Hoje moro neste mundo, onde a oração é minha principal
arma e a ajuda pra tudo vem de cima e de mais ninguém. Aqui não existe guerra,
fome, traição, pobreza, depressão, luxúria, pornografia. Por isso temos de contribuir
para que este mundo cresça. Este mundo me salvou. E pode salvar você também. Glória!