quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Aos visitantes

Levantei bem cedo. O tempo fechado me fez mudar o cardápio. Pensei no charuto de folha de uva e de repolho, preparado em um fundo bem caprichado de alho, carne, tomates e cebolas. Arroz com macarrãozinho cabelo de anjo dourado na manteiga. Para a entrada pasta de grão de bico com pão árabe e muito azeite e pimenta síria. Azeitonas pretas suculentas, quibe cru com bastante hortelã ao lado. Como tudo no Brasil, sincretismo. Logo para a sobremesa mousse de limão com raspinhas da casca por cima. A casa com flores do quintal, de preferência as vermelhas. Tudo cheirando à arrumação e perfumado pelo vapor das comidas. A família chegou com bastante falação, sacolas, beijos. Vovó com seus embrulhos de alumínio: pães para o café, amor em pedaço e um grande abraço. Mesa, discussões, risos e histórias. No final da tarde, meus rubores causados pela bebida. Renovação da mesa. Conversa com café “mais um monte de trem que o povo trouxe”. Hora de despedir, abrir as portas da saída. Aceno para os convidados. Ela acena dentro de mim e diz que o almoço estava do seu jeito. Sem tristeza. Saudade, mas nada grave. Bato o portão. “Se não chover, ano que vem, vou fazer churrasco com salpicão”...


Não sei o que vem depois da morte. Por enquanto não há conexão suficiente para acreditar na continuidade. Morrer é perder. Sigo sem adornos. Mas mudar o foco da morte nos faz deliciar-se de vida. Nada como encher a casa de gente que foi e gente que está. As lembranças só se completam quando estão todos juntos, na mesma história, sem pausa porque se falou de alguém que morreu. Tentar uma leitura pessoal do Dia dos Mortos no México? Quem sabe? É sem dúvida uma possibilidade de refletir sobre o poder da mente. Usar a imaginação, orientada ou não por crenças. Com todo respeito, gostei de escrever o 2 de novembro, baseado no culto em clima de festa. Celebração de origem indígena, o Dia dos Mortos para os mexicanos é celebrado com uma grande recepção aos parentes mortos. Um evento com comida, bolos, caveirinhas de açúcar, festa, música e doces preferidos dos mortos.


Segundo historiadores, as origens da celebração no México são anteriores à chegada dos espanhóis - Há relatos que os astecas, maias, purépechas, náuatles e totonacas praticavam este culto. Os rituais que celebram a vida dos ancestrais se realizavam nestas civilizações pelo menos há três mil anos. Na era pré-hispânica era comum a prática de conservar os crânios como troféus, e mostrá-los durante os rituais que celebravam a morte e o renascimento. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Dia_dos_Mortos)
Diferente da religião católica, a morte no pensamento dos antigos mexicanos não trazia a conotação de inferno e paraíso, servindo para castigar ou premiar pelo que o morto fez em vida. Ao contrário, o tipo de morte é que determina o caminho da alma. O Mictlan, por exemplo, era destinado a quem morria de morte natural. Para se chegar lá, a alma passaria por um caminho tortuoso e difícil, povoando diferentes lugares durante quatro anos.Interessante era o olhar para as crianças mortas. Num lugar especial, chamado Chichihuacuauhco, elas contavam com árvores em que ramos pingavam leite. Era uma espécie de criatório, pois as crianças de lá voltariam à Terra, quando sua raça fosse destruída.


O Dia dos mortos também é comemorado, semelhantemente ao evento mexicano, no Texas e Arizona, onde há muitas comunidades mexicanas. Em outros estados, a interação entre as tradições mexicanas e a cultura estadunidense está resultando em celebrações estendidas em manifestos artísticos e políticos.


Flores, orações e velas são levadas paras as sepulturas dos mortos em vários países da Europa. Em Portugal e Espanha, oferendas são feitas neste dia. Na Espanha, a peça Don Juan Tenorio é tradicionalmente apresentada.


No Brasil, o feriado católico convida para uma festa em intenção aos mortos. Um tanto melancólica, mesmo que a intenção seja positiva, as pessoas vão aos cemitérios e igrejas, com flores, velas e orações.


Manifestações em comemoração aos mortos chegam ao Haiti, misturando elementos católicos com tradições vudu. Tambores e músicas são tocados por toda a noite em celebrações pelos cemitérios para acordar Baron Samedi, o senhor dos mortos, e seu descendente, o Gede. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Dia_dos_Mortos)


Em 7 de novembro de 2003, a UNESCO distinguiu a festividade indígena do Dia dos Mortos como Obra Mestra do Patrimônio Oral e Intangível da Humanidade. O documento se destaca: "Esse encontro anual entre as pessoas que celebram e seus antepassados, desempenha uma função social que recorda o lugar do indivíduo no seio do grupo e contribui na afirmação da identidade..." (http://www.unesco.org/new/en/culture)


Enfim, a morte é o cessar definitivo da vida. A forma como é percebida por cada um talvez seja a chave para repensarmos a vida, o trato com nossos semelhantes e a maneira de relacionar com o mundo. Um dia escrevi: “Vida e Morte. Paradoxos que se completam e brincam de esconder enquanto insistimos numa separação. Quem sabe assumi-los como complementos resultará em valorizar cada segundo de vida? E que viver vai bem além de crescer, amar e multiplicar. Isso significaria humanizar a morte e assustar-se com a vida? Seria fabuloso sacudirmos com as surpresas da vida, porque a morte se tornaria tão humana e esperada, que nela mais nada residiria, sem espantos, sem partidas”.