quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Um caminho

Era um dia como outro qualquer. Ana Maria seguia seu caminho de sempre. Por não encontrar novidades, quis arriscar um atalho. E foi então que naquele momento tudo se transformou. Ela experimentou algo que lhe fez mudar suas expectativas em relação à vida. Que por sinal andava muito parada. Sem grandes entusiasmos. Nem amigos nem namorado nem propostas de trabalho. Foi então que naquele beco sujo e fedorento ela teve a primeira das sensações. Sentiu um cheiro de mijo antigo, que lhe deu vontade de botar pra fora todo seu café da manhã. O odor queimava suas narinas e ela mal podia prestar atenção às pessoas que passavam ao seu redor. Estava ligeiramente tonta. Tentou se apoiar na parede. E ia desistir daquele caminho quando bateu uma leve brisa que lhe trouxe um cheiro de sonho dourado. Do bolinho mesmo. Com recheio de doce de leite e casquinha crocante. Aquilo a fez pensar o quanto o mundo era mais feliz por causa dos livros de receita. Ah como daria tudo para ter o antigo caderno de receitas da sua mãe. Perdera em algum lugar da casa, do passado, das paredes descascadas. Ela já não se recordava das medidas para tornar um sonho em realidade. Achou melhor caminhar ao invés de pensar naquilo. Inesperadamente o céu escureceu. Não havia previsão de chuva, mas tudo ficou bastante fechado. Pensou que não era seu dia de sorte, pois não havia levado guarda chuva. Sua roupa era clara, o que lhe deixaria muito constrangida se molhasse. Pensou em voltar à casa. Mas quem sabe poderia esconder-se debaixo de alguma marquise e aguardar a tempestade. Acatou a ideia e se protegeu. Depois de um tempo ali, esperando tudo acalmar, notou uma fisgada na barriga. Uma pontinha de dor causada pelo cheiro do feijão que vinha da cozinha próxima ao local onde estava. "Que diabo de restaurante! Precisam começar a refogar o alho e a estalar os feijões na gordura logo tão cedo!" Sua boca enchia de saliva e seus olhos quase podiam enxergar a cozinha da sua avó Dinda. Voltou ao tempo em que havia gente perto dela, que a casa era cheia de causos e de discussões acaloradas. Mas não se importou em recordar das brigas. Era preciso trazer gente para sua vida, mesmo que fossem apenas lembranças. Cheiro de feijão era o cheiro de casa que funcionava. Que tinha de tudo muito ou pouco: amor, raiva, magoas, tinha gente. A chuva parou. Seu coração sentiu que teria que tomar coragem e seguir em frente. Era um caminho novo e talvez isso a deixasse mais vulnerável em relação à pontualidade no trabalho. Era preciso voltar a caminhar, um pouco mais rápido agora. Seguia com os passos firmes e decididos quando um pipoqueiro arrasou com seu plano de concentração. Era com manteiga! Irresistível cheiro de parque e de roda gigante. De novo regressou à vida em que levava no interior com seus pais. Onde sua única preocupação era escrever seu nome completo na cartilha da escola. Nenhuma infância talvez fosse tão feliz sem esses dois ingredientes. Tudo que tinha festa tinha pipoca e tinha manteiga. Era isso. Tempo de ser feliz sem muita ansiedade. Tempo  de aproveitar sem muito se incomodar com futuros, sucessos e coisas da tal sociedade. Mais uma vez Ana Maria foi interrompida. Agora foi a vez da sirene do carro de polícia. Olhou o relógio. "Meu Deus, vou chegar muito atrasada!" Era preciso mais força para sair daquele pensamento, no entanto ela reagiu. Resistindo à tudo, seguiu correndo. Assim, quanto mais corria, mais os cheiros se misturavam e pode sentir de uma vez só vez o café, o frango assado, a carne cozida com pimentão, o churros com canela, a batata com manteiga. Aquela experiência num beco por qual decidira passar sem muita esperança. Seu coração batia tão forte que mal podia suportar acomodá-lo dentro do peito. Estava perto de cometer uma loucura. Aquelas brisas iam e vinham de todas as direções. Como num desenho animado pareciam fazer surgir uma mãozinha no meio da fumaça chamando em direção à origem de todo o banquete. Percebeu que estava com muita fome. E aquele sentimento ia crescendo como uma massa de pão. E ia borbulhando de forma que não suportou chegar ao trabalho. Neste momento, ali mesmo de onde estava, voltou. Decidiu se aproximar do seu portão e do sentimento de reencontro. Até que viu o que queria. Lá estava ela, em carne e osso e em pessoa. Ela mesma! De pé na beirada do fogão. Com o avental amarelado, os cabelos presos e um sorriso invejável. As lágrimas caiam-lhe pelo rosto. Quase não pode ouvir a porta bater. " Ana, você não foi trabalhar hoje?" "Oi, mamãe. Tinha um encontro muito especial com alguém que não via há anos.Você não acha que hoje está com jeito de chover o dia todo? A gente podia passar a tarde comendo sonhos e sendo feliz. Que acha?"






2 comentários:

  1. Olá! Vim agradecer-te o facto de teres ido ao meu blogue. Só não consigo compreender como é que tu foste aderir à moda do "orgulho gay" iniciado numa campanha americana que comemora o "casamento" entre pessoas do mesmo sexo.

    Beijinhos!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá! Como eu disse, entrei no blog em busca de reflexões sobre aquele determinado assunto em que falava seu post. Reiterando a minha opinião, sinto agradecida por ter lido algo diferente da minha posição, o que me fez refletir sobre algumas posições em relação à diversidade cultural (e ainda tenho pensado e conversado com outros pessoas). No entanto, não tenho o mesmo pensamento que você em relação à diversidade cultural, aos imigrantes. Respeito seu ponto de vista. Li outras postagens sua para perceber que não adoto o mesmo pensamento. Acho que com esse esclarecimento fica mais fácil entender porque vejo a posição dos EUA como um aliado importante para combater o preconceito contra os gays no mundo. Quer as pessoas aceitem ou não, os EUA tem influência na opinião de muitos pelo mundo, inclusive nas decisões políticas de outros países. É por isso que apoio a campanha, pelo seu valor simbólico. Não porque eu ame os EUA. Também que fique claro que não o odeio. Temos muito que aprender com cada país, mesmo que não se concorde com suas políticas, há proveitos. Abraços! Obrigada por entrar no meu blog também!

      Excluir