Era assim todos os
dias. Luísa botava o lixo pra fora, arrumava o café da manhã,
chamava os filhos, levava para a escola, ia para o trabalho,
encontrava o marido, buscavam os filhos, arrumava a casa, fazia a
janta, olhava o para casa dos filhos, botava os filhos pra dormir,
assistia minutos de TV e ia pra cama. Era uma rotina, no entanto nas
rotinas cabem felicidade, horas de alegria e satisfação pessoal.
Nada disso era problema pra ela. Gostava daquela vida, do casamento
dos filhos do marido da casa de tudo. Também se divertia no
trabalho, tinha muitos amigos, muitos eventos. Isso era motivo de
sair um pouco do feijão com arroz, tão natural e necessário. Mas
tinha um segredo enorme que Luísa guardava à sete chaves. Ela
queria brilhar. Era um negócio esquisito essa ideia que passava
horas assombrando seus pensamentos. Como alguém que tinha tudo
maravilhoso sentia um buraco , um vazio, um desejo louco de brilhar.
Um dia começou a falar disso com uma amiga, a qual dividia suas
intimidades. Daí foi logo interpelada. “Como assim Luísa, que
loucura é essa? Tá querendo ser atriz, se apresentar em público.
Isso é algo do seu ego. Você tem necessidade de aparecer de ser o
centro das atenções. Cuida disso menina, pode avacalhar sua vida
esse negócio todo”. Luísa se encolheu novamente e botou pra
dentro a caixinha com o danado do querer. Sonhou com aquilo durante
noites e noites. O sentimento foi crescendo, sem formato, apenas a
vontade de explodir o que nem ela mesma sabia onde ficava o pavio pra
acender. Uma espécie de Alien que comandava sua inteligência em
momentos de descuido. Quando se distraia dos afazeres, do racional,
lá vinha a coisa tomando conta de tudo. Mas ela conseguia guardar.
Dobrava vagarosamente todas as partes do desejo e repetia como um
mantra que aquilo tudo era pra depois. “Tenho que esperar a hora
certa.” E Luísa vivia todos os seus dias dobrando, chuchando,
enxotando a coisa pra dentro do quadradinho. Um dia, um daqueles com
chuva e feriado sem nada pra fazer, Luísa começou a bater um papo
com os filhos e um deles contou sobre uma ideia genial de fazer um
concurso de redações pra “colocar os meninos preguiçosos da
escola pra pensar”. Ela sentiu um orgulho danado do filho, tão
novo e já se preocupando com projetos para um bem comum. Ela se
sentou com eles e escreveram ali mesmo um projeto. Na segunda-feira o
filho saiu contente da vida e entregou para a professora. O dia mal
acabou e Luísa foi chamada as pressas na escola dos filhos. A
diretora queria parabenizar o trabalho e dar início ao projeto com a
ajuda dela. Voltou pra casa cheia de alegria e não se preocupou em
dobrar os fios soltos do brilho. E no caminho de volta pra casa ia
falando com os filhos e só aumentava a vontade de que tudo aquilo
desse certo . E lá se iam mais fios do brilho desenrolando. Chegou
em casa pronta pra contar tudo ao marido e se reprogramar para que
aquela atividade participasse da sua vida. Mas antes de abrir a boca
o marido lhe deu a triste notícia de sua demissão. De uma hora pra
outra a empresa resolveu cortar gastos e ele como um funcionário
antigo era um custo alto naquele momento. Luísa reuniu todas as
forças para consolá-lo e se reorganizarem com os gastos até que
ele encontrasse um novo trabalho. Usou todas as energias para
levantar a autoestima do companheiro e não deixar que os ânimos ali
desmoronassem. Dobrou o brilho naquele momento, guardou tudo de novo.
Chamou os filhos e teve uma longa conversa sobre gastos, vida
apertada e trabalho em equipe. Sobre o projeto. Ah seria complicado
pensar naquilo agora. Passaria as diretrizes para a escola e tudo
seria lindo. Mas agora era hora de esperar as coisas voltarem ao
normal...
Bacana demais... A vida é um esquenta/esfriar, o foda é esse "amornar".
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