sábado, 28 de maio de 2016

A mulher que queria brilhar







Era assim todos os dias. Luísa botava o lixo pra fora, arrumava o café da manhã, chamava os filhos, levava para a escola, ia para o trabalho, encontrava o marido, buscavam os filhos, arrumava a casa, fazia a janta, olhava o para casa dos filhos, botava os filhos pra dormir, assistia minutos de TV e ia pra cama. Era uma rotina, no entanto nas rotinas cabem felicidade, horas de alegria e satisfação pessoal. Nada disso era problema pra ela. Gostava daquela vida, do casamento dos filhos do marido da casa de tudo. Também se divertia no trabalho, tinha muitos amigos, muitos eventos. Isso era motivo de sair um pouco do feijão com arroz, tão natural e necessário. Mas tinha um segredo enorme que Luísa guardava à sete chaves. Ela queria brilhar. Era um negócio esquisito essa ideia que passava horas assombrando seus pensamentos. Como alguém que tinha tudo maravilhoso sentia um buraco , um vazio, um desejo louco de brilhar. Um dia começou a falar disso com uma amiga, a qual dividia suas intimidades. Daí foi logo interpelada. “Como assim Luísa, que loucura é essa? Tá querendo ser atriz, se apresentar em público. Isso é algo do seu ego. Você tem necessidade de aparecer de ser o centro das atenções. Cuida disso menina, pode avacalhar sua vida esse negócio todo”. Luísa se encolheu novamente e botou pra dentro a caixinha com o danado do querer. Sonhou com aquilo durante noites e noites. O sentimento foi crescendo, sem formato, apenas a vontade de explodir o que nem ela mesma sabia onde ficava o pavio pra acender. Uma espécie de Alien que comandava sua inteligência em momentos de descuido. Quando se distraia dos afazeres, do racional, lá vinha a coisa tomando conta de tudo. Mas ela conseguia guardar. Dobrava vagarosamente todas as partes do desejo e repetia como um mantra que aquilo tudo era pra depois. “Tenho que esperar a hora certa.” E Luísa vivia todos os seus dias dobrando, chuchando, enxotando a coisa pra dentro do quadradinho. Um dia, um daqueles com chuva e feriado sem nada pra fazer, Luísa começou a bater um papo com os filhos e um deles contou sobre uma ideia genial de fazer um concurso de redações pra “colocar os meninos preguiçosos da escola pra pensar”. Ela sentiu um orgulho danado do filho, tão novo e já se preocupando com projetos para um bem comum. Ela se sentou com eles e escreveram ali mesmo um projeto. Na segunda-feira o filho saiu contente da vida e entregou para a professora. O dia mal acabou e Luísa foi chamada as pressas na escola dos filhos. A diretora queria parabenizar o trabalho e dar início ao projeto com a ajuda dela. Voltou pra casa cheia de alegria e não se preocupou em dobrar os fios soltos do brilho. E no caminho de volta pra casa ia falando com os filhos e só aumentava a vontade de que tudo aquilo desse certo . E lá se iam mais fios do brilho desenrolando. Chegou em casa pronta pra contar tudo ao marido e se reprogramar para que aquela atividade participasse da sua vida. Mas antes de abrir a boca o marido lhe deu a triste notícia de sua demissão. De uma hora pra outra a empresa resolveu cortar gastos e ele como um funcionário antigo era um custo alto naquele momento. Luísa reuniu todas as forças para consolá-lo e se reorganizarem com os gastos até que ele encontrasse um novo trabalho. Usou todas as energias para levantar a autoestima do companheiro e não deixar que os ânimos ali desmoronassem. Dobrou o brilho naquele momento, guardou tudo de novo. Chamou os filhos e teve uma longa conversa sobre gastos, vida apertada e trabalho em equipe. Sobre o projeto. Ah seria complicado pensar naquilo agora. Passaria as diretrizes para a escola e tudo seria lindo. Mas agora era hora de esperar as coisas voltarem ao normal...  

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